Quando escrevo, sou levado pelo apreço à palavra e pela necessidade de expressar um sentimento, uma impressão, lavar uma roupa que sujou, cuspir uma espinha que não desceu, reviver uma experiência, elaborá-la ou, simplesmente, deitar-lhe cores; um pincel, a palavra.
Farol. E com que frequência ilumina o que eu sequer sabia habitar aqui. Escrever é alquímico, é luz e sombra. Quantas vezes vou usar a palavra para me esconder – e a traio com outra mais conveniente – e, então, a verdadeira se atira no papel e me desmascara sem pestanejar; resta -me estender-lhe as mãos.
Entristece-me o descaso com que as vejo tratadas por aí – o detrator distante de saber que é a ele mesmo que avilta. Palavras são como neurônios e sinapses, quanto mais, melhor (nem precisam ser ditas, mas devem existir). É por não conhecê-las e, portanto, não perceber a diferença que há entre apatia, tédio, preguiça, melancolia, luto e tristeza, que hoje tudo virou depressão, assim mesmo, sem cor, sem nuances.
As palavras são misteriosas, e eu as reverencio com zelo de artesão. É preciso lustrá-las bem. Então as vigio. E me ausento para, atrás da cortina, perscrutá-las, e olhar devagar para elas. Sem formalidade, apenas encantamento. É imperioso deixá-las livres. Escravizá-las é, como para os humanos, o pior castigo.
Mas, atenção, cuidado com seu canto de sereia. Palavras não são santas e, ao perceber o encantamento, nos tentam confundir com toda a beleza. Tramam entre si, e vêm à passarela as mais sedutoras, sugerindo um parágrafo inteiro de idílio. Quem resistiria a um bacanal com cântaro, lápide, crepúsculo, sapoti, candelabro?! A-ca-lan-to.
Força! Há que se resistir ao contra-senso de alinhar estas beldades, em detrimento do laboro para a qual as convocamos.
É necessário domá-las; domar é diferente de domesticar. Sem rudeza, faz favor. Elas são belas, portanto frágeis. Que faço, então? As recolho na palma da mão, as acaricio, tiro-lhes um cisco do olho e só as devolvo ao papel quando se acende a lamparina – palavra mais bela!
Não precisamos de mapa – inclusive porque na maior parte do tempo não temos idéia para onde vamos. Mas vamos juntos, a mão e o barro, ao encontro da aventura que se revela ora a nossa frente, ora profundamente dentro de nós.
Choramos, às vezes; rolamos de rir, outras tantas; nos debruçamos sobre abismos, sobrevoamos canyons, descemos ao caos. Surpreendemo-nos e, esta, a melhor viagem.
Quem é devoto da palavra, dela não escapa. Ela é exigente, redentora e libertária.
Portanto afirmo: é através desta senhora, toda juventude e frescor, que o disforme oco que me habita encontra meios de se expressar, livre do meu comando todo vicio. E assim desalojado, sou obrigado a produzir mais e melhores palavras para formatar este mosaico que vai arrebentar em mim. E me cobrir de panos, uma outra vez.
Para que tudo recomece e eu permaneça vivo, aceso, bulindo.
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